Carta Pastoral do Bispo Paulo Otsuka – 2017
[Verdadeiramente, O Senhor é a minha Luz]
Imitando o Caminho à Santidade de Justo Takayama Ukon
Paulo Otsuka Yoshinao, Bispo de Kyoto
Beatificação de Justo Takayama Ukon
Servo de Deus, Justo Takayama Ukon (de aqui em adiante, "Ukon") será beatificado em Osaka, no "Osaka Castle Hall", em 07 de fevereiro de 2017. Tendo recebido a graça da beatificação de Ukon, agora nós estamos encontrando o Cristo, Salvador do mundo e a nossa Luz. Nós unimo-nos a Ukon na oração cantando a Antífona: "Verdadeiramente O Senhor é a minha luz." Assim como o Presidente da Comissão para a Promoção da Canonização de Ukon, da Conferência dos Bispos Católicos do Japão, tenho aprendido muito acerca dele e tomado consciência da abundante graça que Deus tem outorgado à Igreja do Japão através de Ukon. Ao aproximar-se a data da cerimônia de sua beatificação, conforme aguardamos, eu gostaria de colocar na vossa consideração o que poderiamos fazer para fomentar a graça da beatificação de Ukon na Igreja do Japão.
1. O chamado universal à santidade na Igreja
A Igreja católica canoniza pessoas que através de seu exemplo de vida foram testemunhas da fé, e os honra com um culto especial. Não importa a época e o lugar, todos os Santos têm seu próprio e único testemunho de fé e mensagem universal. O propósito da canonização é para que nós, que vivemos agora, imitemos o exemplo deles no testemunho de vida e mensagem, e que possamos transmiti-lo às gerações futuras. Canonização e beatificação podem considerar-se como uma recompensa e concessão que a Igreja outorga a destacados personagens do passado, embora o Concílio Vaticano II defina o respeito dado a estes mártires e santos de uma maneira mais espiritual e pastoral. Na Constituição Dogmática sobre a Igreja, 2017 ? ?????? ????????? (nº.39-42), descreve-se a santidade à qual todos estamos chamados, e explica a santidade na Igreja dizendo que esta “exprime-se de muitas maneiras em cada um daqueles que, no seu estado de vida, tendem à perfeição da caridade, com edificação do próximo.” Além, também ensina que, o caminho para conseguir a santidade é o amor "amando-nos uns aos outros como Cristo nos amou”, e que "a Igreja considera o martírio como um presente excepcional e como a maior prova de amor". Um Santo não é necessariamente um super humano pelo qual todos sentem-se cativados, nem tampouco é um herói. Se pensarmos nos Santos dessa maneira, seguramente vão nos parecer pessoas muito distantes de nós. No entanto, os Santos são pessoas que têm recebido o dom do amor e, colocando-os em prática, desenvolveram um grau de santidade na medida em que podemos reconhecer eles como Santos. Os Santos não são cristãos extraordinários, senão cristãos comuns. Simplesmente dizemos que, ser cristão é ser Santo. Porém, em algumas épocas e lugares, ser cristão comum era e é uma forma de vida incomum. Isto é, ser cristão significa confrontar as tendências comuns da sociedade, conforme Jesus o manifestou no Sermão da Montanha (Mt. 5), a fim de viver seriamente estes ensinamentos. Devemos acolher o exemplo dado pelos Santos, não imitando-os na maneira de fazer as coisas, senão colocando-os em prática nas nossas vidas. Conhecendo as circunstâncias históricas e os antecedentes culturais, vemos tudo isso como um modelo universal e podemos considerar aos Santos como um hito espiritual. E agora estamos perante um hito brilhante: Ukon.
2. Ukon e a Cruz de Cristo
Por sua vida extraordinária e excepcional, Ukon será beatificado, mas não como um confessor, senão como um mártir. Isto não quer dizer que Ukon fosse mártir porque foi executado, senão porque toda a sua vida esteve baseada em meio de uma série de perseguições e exílio. Ukon viveu durante finais do século XVI e começos do século XVII, na era Azuchi-Momoyama, no período Edo, quando o país viveu guerras civis e, logo após, quando por fim o país desfrutava de paz e unificação. Qualquer pessoa sábia e inteligente, teria sonhos de conquistar êxito, poder, fama e glória. Ukon foi levado a uma família samurai em aquele tempo e foi criado numa época de guerreiros sedentos de poder, envolvidos numa interminável luta pela dominação. Desde o dia em que seu pai Hidanokami converteu-se ao cristianismo, o destino da família Takayama orientou-se para una dimensão completamente oposta à tendência prevalecente na sociedade de então. Ukon Recebeu o batismo com outros membros de sua família quando ele tinha quase dez anos de idade, e foi educado para ser um guerreiro samurai. Mas, quando teve uns vinte anos de idade, ele sentiu-se seducido pela Cruz de Cristo, graças à oportunidade que lhe foi brindada pelo incidente com Wada Korenaga (1573). Francisco Xavier e os missionários daquela época de guerras, presentaram ao povo a Cruz de Cristo como essência do cristianismo, para fazer-lhes ver a paixão de Cristo como plenitude da revelação do amor de Deus à humanidade. Ensinaram que, através da Cruz de Cristo, Jesus oferecendo-se em sacrifício a Deus por toda a humanidade, foi o mais honorável ato de amor. Durante similares perseguições, a maioria dos cristãos que foram executados, tinham desejado ser crucificados da mesma maneira que Jesus. Ukon, imbuído pelos ensinamentos de Jesus, venceu o medo à morte. E por causa de sua fé, não apenas estava disposto a aceitar a perseguição, senão também o martírio. Por sua própria natureza, Ukon não era um samurai deliberadamente virtuoso, nem de uma fé piedosa. Como comandante, lutando contra as dificuldades e conflitos, ele tinha ensinado aos poucos a confiar em Deus.
3. Agonia e provas de fé de Ukon
O princípio da angústia de Ukon foi, sem dúvida, sua perspectiva sobre a vida e a morte. Na época de guerras entre os Estados, a morte era um assunto cotidiano e comum. Era matar ou ser morto. Embora consideremos o fato de matar pouco ético, em ordem de defender a própria família e os amigos, havia que converter-se quase num monstro. Devido ao seu espírito de samurai inato, era impossível evitar derramamento de sangue. Nascido numa época assim, fala-se que Ukon, desde sua infância, tinha um generoso coração e temperamento não agressivo, e tinha temor à morte. As vezes, por pensar muito que poderia morrer em qualquer momento, isto lhe impedia dormir bem. E esse tormento de que poderia sofrer uma morte repentina, o levou incluso a considerar a possibilidade de atentar contra sua própria vida. Porém, como cristão, sabia que isto em nenhum caso seria admissível. Junto com sua determinação de viver, sentia um inquietante temor à morte. A única pessoa em quem o jovem Ukon podia confiar este angustiante tormento que o levou a uma depressão constante, foi o Irmão jesuita Lawrence Ryousai. Ukon lhe confessou seu temor à morte e seus receios de ter que matar ao Irmão Lawrence. Seu despreço por matar, embora por sua profissão de samurai esperava-se que possa matar a outros, longe de curá-lo, conduz ao jovem comandante Ukon a um maior desespero, até perceber a realidade de que isto, de fato, foi sua cruz pessoal colocada sobre ele pelas circunstâncias de vida. Porém, o incidente com Wada Korenaga, foi um ponto de bifurcação em sua vida e, desde então, chegou a cativar-se com a Cruz de Cristo. Ao abandonar esta forma de vida e essa sede insaciável de poder e fama, ele assumiu a imitação da Cruz de Cristo, descobrindo a qualidade Redentora de uma vida dedicada ao amor de Deus e, de aí em adiante, ofereceu sua vida ao serviço de Deus. No mundo da fé, o sofrimento que afasta as pessoas para longe de Deus é uma grande tentação. Porém, o sofrimento que atrai às pessoas para mais perto de Deus e aprofunda o nosso vínculo com os outros, é uma prova. Foram três as provas que Ukon viveu. A primeira prova foi o conflito de Araki Murashige (1578); a segunda prova foi quando Hideyoshi decidiu expulsar a todos os sacerdotes do país (1587); y a terceira prova foi o Shogunato de Edo, que proibia as atividades missionárias (1614). Ukon colocou de lado sua carreira militar com a intenção de, incluso, oferecer sua vida a Deus, de se tornar um soldado de Cristo vivendo sobre os cimentos da fé interior, enquanto que, desde o ponto de vista mundano, aparentava ser um destacado “Senhor cristão” que havia ganhado o favor de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi. Porém, imediatamente depois da transferência territorial de Ukon, de Takatsuki a Akashi, de repente Hideyoshi mudou sua postura sobre o cristianismo, começando por proibir a presença de sacerdotes no país, e incluso pressionar a Ukon para apostatar. Ukon negou-se a apostatar e, devido à sua condição de “Senhor”, foi exiliado. Desde a ilha de Shodosima a Higo (no atual território de Kumamoto), depois de passar vários anos como eremita, refugiou-se no território de Maeda, en Kaga (atual Prefeitura de Ishikawa, na cidade de Kanazawa), concluindo 26 anos em Noto (Nanao). Porém, durante o reinado do Shogunato de Tokugawa, exiliaram-no em Filipinas. Foi recebido em Manila com muita dificuldade, como um mártir da vida. Porém, sendo já de idade avançada e tendo passado por uma viagem complicada e sofrida, ficou debilitado e sucumbiu a uma febre alta; 40 dias após, em 03 de fevereiro de 1615, aos 63 anos de idade, deixou este mundo.
4. Un Mártir da vida
Depois da primeira prova do incidente com Araki Murashige, incluso à custa de oferecer sua própria vida, Ukon comprometeu-se a servir a Deus no lugar de servir as pessoas deste mundo. Porém, nesse momento, ainda não era consciente da vontade de oferecimento que Deus tinha-lhe concedido. Ukon sempre esteve disposto a oferecer-se a si mesmo no martírio, e sempre teve o desejo do martírio. Mas, no plano de Deus, Ukon foi destinado para um longo caminho até a meta do martírio. Na segunda prova, embora perder tudo, ele demonstrou que sua forte fé no Salvador tinha amadurecido, e experimentou um poder espiritual e o consolo para aceitar o martírio. Porém, nesses momentos a fé de Ukon estava baseada na perspicácia intelectual e força humana. Sua profunda religiosidade e sua confiança em Deus estavam fora de dúvidas. Porém, Deus queria liberá-lo de uma falsa confiança em si mesmo, desejando transformá-lo, gradualmente, em uma alma desinteressada disposto a aceitar o amor de Deus. Um 6 exiliado, como ele era, avivando a chama de seu desejo de martírio, não nadando contra a corrente da época, mas procurando persistentemente a vontade de Deus, aceitou o destino que lhe foi consignado e, atento à mão principal de Deus, continuou prosseguindo a evangelização dentro de suas possibilidades. Este foi o meio escolhido por Deus para Ukon aceitar em seu caminho o martírio da vida. Por último, Ukon foi destinado a sofrer sua terceira prova, que foi mais intensa e profunda em todo seu esforço positivo para ser martirizado. Quando ele estabeleceu-se em Kanazawa (Kaga-han), ele imaginou sua execução como um sacrifício heroico que seria oferecido a Deus. Contrariamente as suas expectativas, foi de forma forçada colocado a bordo de um barco, em Nagasaki, com destino a Manila, suportando assim sua viagem final e atroz, que se tornaria seu martírio definitivo y real.
5. Martírio de Excruciação para dar testemunho da obra de Deus
Martírio não significa de modo algum uma demonstração de força. Martírio é a ação de Deus em um ser humano fragilizado. Não consideramos a resistência da terrível tortura até a morte para demonstrar a grandeza do mártir, nem é algo que a gente da atual geração pode presenciar. Tampouco podemos considerar os mártires como vítimas, simplesmente por haver suportado os sofrimentos da violência passivamente. No entanto, o que o martírio significa é que, em última instância, deixa-se livremente o próprio destino nas mãos de Deus. O martírio é discernir a vontade de Deus e responder livremente a Ele até o último momento. Esta só resposta verifica a morte como realmente um testemunho de fé, como verdadeiro martírio. Durante nove meses, antes de seu exílio, Ukon estava pronto e disposto a ser executado, o que aceitou com um coração puro. Foi aqui que Deus enviou a Ukon sua prova final. Sua terra de desterro, Manila, era um lugar onde qualquer pessoa poderia viver sua fé livremente. Ukon, que estava disposto a oferecer sua vida dada por Deus, pôde sentir que seu martírio seria um sofrimento longo e tedioso, condicionado ao acaso até morrer, em lugar de vir ser uma morte repentina. Para Ukon, esta prova resultou ser uma viagem até a morte de si mesmo. Chegou a Manila e percebeu que seu destino não estava mais nas suas mãos, e sim nas mãos de Deus. Morrer a si mesmo resultou ser um progresso espiritual, chegando a ser mais humilde, um vaso disposto a aceitar o que Deus desejava dar-lhe. Até seu último suspiro foi fiel à sua determinação de oferecer-se a sí mesmo totalmente a Deus, num ato de amor. Ukon queria ser um testemunha de Cristo (mártir), e realmente foi isso. Esta foi a ação de Deus em Ukon. O sacerdote Jesuíta Ledesma, que foi testemunha da morte de Ukon, terminou seu relato em seu diário da missão, com estas palavras: "Ukon não foi o tipo de mártir como estamos acostumados ver, aquele que testemunha sua fé pondo fim à sua vida numa morte sangrenta, senão, mais bem, dando testemunho de fé através dos sofrimentos terríveis que levava. Toda a su vida foi um longo caminho de martírio".
6. Contemplando a espiritualidade do Mártir
A história do cristianismo é a história de pessoas que provaram sua fé. Já que a perseguição e o martírio podem acontecer em todas as épocas, “todos devem estar dispostos a confessar a Cristo diante dos homens e a segui-l'O no caminho da cruz em meio das perseguições que nunca faltarão à Igreja.” (Constituição Dogmática sobre a Igreja, n.42). O que nós aprendemos de Ukon é que, porque somos ferramentas nas mãos de Deus, não devemos confiar no ego que trata de fazer coisas por seus próprios meios, senão, oferecer-nos a Deus que, na sua misericórdia, derrama em nossos corações o amor até oferecer-se a si próprio em sacrifício. O mundo da fé não é algo no qual demonstramos o que podemos lograr com nosso próprio poder. Deus está obrando. É um mundo onde colocamos toda nossa confiança Nele. Colocamos nossa confiança Nele para poder transformar-nos em pessoas ao serviço dos outros. Este foi o caminho espiritual de Ukon e é a vocação comum que pode aplicar-se a todos os fiéis seguidores de Cristo. Santidade não é alcançar a perfeição com nossas próprias mãos, senão que é uma graça de Cristo que nos leva perto Dele e nos oferece o dom da imitação de si mesmo. Com respeito a isso, Paulo diz: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou.” (Rom 8,28-30). De fato, Ukon viveu até seu nome batismal, na que através de Deus chegou a ser como Cristo, e foi justificado. Nos tempos atuais, nosso sentido de valores tem sido alterados pelo relativismo, pelo que fica difícil viver sempre baseado numa crença determinada. Além, embora existam diferentes estilos de vida para escolher, este é um mundo de supervivência do mais apto, onde a capacidade de sobreviver depende da livre responsabilidade, para que as pessoas possam ser divididos entre ganhadores e perdedores, pelos seus talentos e habilidades. Vivendo numa época assim, contemplamos a Ukon como um sinal para indicar o caminho à santidade, não importando o tipo de condição em que nos encontremos, para escolher o caminho que leva a Deus e à apreciação da vida de outras pessoas. Sem vacilar, nós devemos seguir no caminho do Evangelho. Ukon é um presente de amor e graça para a Igreja do Japão. Deus enviou Ukon a nós como uma ferramenta de evangelização, de maneira que Ele continua trabalhando através de Ukon para que possamos receber sua graça nestes tempos. Conforme ao coração do martírio, renovemos nossa determinação de viver uma vida de mártires modernos e, enquanto nos aproximamos à beatificação de Ukon, oremos pela graça da canonização.